Carta ao papa Bento 16 - Carlos Alberto Roma
O assunto é muito delicado e as instâncias locais não estão autorizadas a debatê-lo. Nós, leigos, solicitamos que abra esse debate
CRESCE A nossa insatisfação, enquanto leigos católicos, com a insensibilidade da hierarquia da nossa igreja que está no Vaticano. A questão de fundo é a explícita falta de coragem para dar os passos necessários para colocar a igreja no século 21, especialmente se abrindo para os leigos. Fazemos um curso de atualização teológica. Somos 110 leigos. Após refletirmos sobre a prática e a coragem de Jesus diante da religião de seu tempo, tendo como texto de aprofundamento o livro "Com Jesus na Contramão", de frei Carlos Mesters, decidimos redigir uma carta ao papa Bento 16 e toda a Cúria romana: "Estamos cada vez mais motivados em servir a Deus por meio da nossa igreja. No entanto, estamos sofrendo muito, pois os sucessivos padres que atuam em nossa paróquia têm enfrentado um problema grave: por mais que motivem, a juventude atual não se sente entusiasmada a entrar no seminário para servir como sacerdote. Estamos acompanhando também o desenrolar desse problema no velho continente e verificamos que a situação é ainda mais grave. Nós, leigos, pedimos desculpas pelo atrevimento de enviar esta correspondência diretamente para Sua Santidade, sem passar pelas instâncias competentes. Esse assunto é muito delicado e as instâncias locais não estão autorizadas a debatê-lo. Solicitamos que abra esse debate. Em nossas celebrações dominicais, temos consultado irmãs e irmãos paroquianos e constatamos que mais de 95% entendem que a nossa igreja precisa dar passos novos. O Brasil tem a menor proporção de padres católicos do mundo, de acordo com o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais. Enquanto há no Brasil 18.685 padres (1 para cada 10.000 habitantes), na Itália há 1 para cada 1.000 habitantes. Na América Latina, o problema enfrentado pelo Brasil fica evidente. A Argentina tem 1 sacerdote para cada 6.800 habitantes, e a Colômbia, 1 para cada 5.600 habitantes. A média do México, o segundo maior país católico do mundo, é a que mais se aproxima do Brasil: 1 sacerdote para cada 9.700 habitantes. Com a grande falta de padres, confirmada em pesquisas realizadas em todos os países do mundo, nos perguntamos: por que não reconhecer o sacerdócio casado, o sacerdócio feminino e reconduzir os padres casados ao serviço da igreja? Sabemos que, ao longo da história, 39 papas foram casados. O primeiro foi o apóstolo Pedro (Lucas 4, 38-39). Segundo pesquisa do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais publicada em 31/1/06, existem no Brasil cerca de 5.000 padres casados e sem o direito de exercer seu sacerdócio. A maioria sente pulsar fortemente no seu coração a vocação para o sacerdócio. Isso não é um ato violento com o Senhor da Vida, que enviou missionários para a messe? Os padres católicos tinham permissão para se casarem no primeiro milênio da era cristã. Foram os dois primeiros Concílios de Latrão, em 1.123 e 1.139, que instituíram o celibato sacerdotal e aboliram o casamento de sacerdotes. Os tempos atuais conclamam a que façamos corajosa revisão e mudemos nossos paradigmas. Solicitamos que Sua Santidade crie uma comissão, também composta por leigas e leigos, para aprofundar e solucionar urgentemente quatro questões: 1) Implantação de dois modelos de sacerdócio: a) celibatário e b) casado, com normas canônicas específicas para cada estado. 2) Implantação do sacerdócio feminino, com duas modalidades: a) celibatária e b) casada, com normas canônicas específicas para cada estado. 3) Reintegração, no serviço da igreja, dos sacerdotes já casados, ainda vocacionados. 4) Rever a situação dos cristãos casados em segunda união e sua participação na eucaristia. Diante das reflexões acima, nos sentimos interpeladas e interpelados à participação igualitária na caminhada e na vida eclesial, especialmente com seu futuro. Desejamos expressar nossos pensamentos e expectativas, afirmando ser fundamental que a hierarquia da igreja ouça nosso clamor. A hierarquia de nossa Igreja Católica vai continuar indiferente? Ou vai abrir-se ao Espírito Santo e dar um passo à frente? Não podemos adiar ainda mais esse debate. Falta-nos, quem sabe, "vontade eclesial" ou "decisão política"? Propomos a todos os cardeais, bispos, sacerdotes, leigas e leigos que trabalham nos movimentos e pastorais para que abram o debate em seus espaços e façam uma discussão, bem aprofundada, sobre os temas acima". Nosso grupo de leigos e leigas lança amanhã o site www.softline.com.br/leigoscatolicosnacontramao.Convidamos todos os leigos e leigas que sentem o vigor profético a entrar nesse debate.
CARLOS ALBERTO ROMA, 41, graduado em gestão pública e pós-graduando em controladoria pública, é ex-postulante franciscano. sacerdociocasado@gmail.comOs artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Disponível http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2809200709.htm. Acessado em 28.09.97
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