O artigo abaixo foi publicado na FSP de hoje. Não me parece dos melhores, mas é maravilhoso quando se pensa que é de autoria de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Também como sinal de novos tempos, o judiciário brasileiro semana passada determinou que o Sistema Único de Saúde realize cirurgias de transgenitalização e demais procedimentos do processo transexualizador. Mas, por outro lado, já passou da hora de ser aprovada uma lei que reconheça direitos conjugais e parentais a casais de pessoas do mesmo sexo. No nível ideal, o Congresso Nacional deveria aprovar uma lei que assegure o direito de todos ao casamento, o que significaria o fim de cidadãos de segunda categoria em função de orientação sexual. Mas como ponto de partida básico de negociação, a aprovação do projeto que institui a Parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, apresentado pela então deputada Marta Suplicy, em 1995 (isso mesmo, há 12 anos!), pode ser um bom começo. Na foto, o Ministro Marco Aurélio.
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São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007
São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007
A igualdade é colorida - MARCO AURÉLIO MELLO
São 18 milhões de cidadãos considerados de segunda categoria. Em se tratando de homofobia, o Brasil ocupa o primeiro lugar
SÃO 18 milhões de cidadãos considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas, ainda assim, são vítimas de preconceitos, discriminações, insultos e chacotas. Em se tratando de homofobia, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com mais de cem homicídios anuais cujas vítimas foram trucidadas apenas por serem homossexuais. Números tão significativos acabam ignorados porque a sociedade brasileira não reconhece as relações homoafetivas como geradoras de direito. Se o poder público se agarra a padrões conservadores, o dia-a-dia cria o fato, obrigando as instituições a acordar. Um caso revelador dessa omissão aconteceu no Sul: após 47 anos de vida em comum, falecido o parceiro, cujo patrimônio se formara antes do vínculo, o Estado reivindicou a herança, alegando não haver herdeiros legais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, porém, reconheceu a relação afetiva do casal, assentando o direito do sobrevivente aos bens. O Judiciário gaúcho sobressai pela modernidade, havendo sido o primeiro a julgar ações ligadas a vínculos homoafetivos na vara de família, e não na cível. A diferença é significativa. No primeiro caso, reconhece-se o vínculo íntimo, de familiaridade; no segundo, o societário, e aí, findos os anos de convivência, os parceiros são tidos como sócios, dividindo-se o patrimônio adquirido. Se nada for obtido na constância da relação, nada será devido. Tal postura mostra-se, no mínimo, injusta, porque não admite que a origem, a base da união é o afeto, não a vontade de compor sociedade. A jurisprudência vem avançando. Começa a firmar-se o entendimento de que essa parceria se equipara à união estável, sobretudo para evitar o enriquecimento de outrem. Na maioria das vezes, parentes que costumam alijar do convívio o homossexual reclamam a herança por este deixada. A Justiça vem admitindo o direito de casais homoafetivos à guarda e adoção de crianças. Na Bahia, há pouco se estabeleceu o direito de visita da ex-parceira ao filho gerado pela outra. Em São Paulo, permitiu-se que dois parceiros adotassem quatro irmãos. Em geral, no entanto, só um adota -a lei permite que solteiros o façam-, em prejuízo do adotado, que perde o direito à proteção conjunta. No rastro de decisões judiciais, o Executivo, compelido pela realidade e mediante atuação do INSS, estendeu aos homossexuais o reconhecimento do vínculo, a gerar o direito ao plano de saúde e à pensão. Se, no âmbito federal, as mudanças vêm a fórceps, as legislações municipais e estaduais se mostram mais adequadas às transformações sociais. Desde 1999, vige, em Salvador, a lei nº 5.275/97, que proíbe a discriminação homofóbica. Aguarda ainda apreciação pelo Senado o projeto de lei nº 5.003/2001, que enquadra a homofobia como crime, já aprovado na Câmara dos Deputados, onde tramita também projeto que proíbe os planos de saúde de limitar a inscrição de dependentes no caso de parcerias homossexuais. Essa homofobia não deixa de ser curiosa ante a tradição de tolerância dos brasileiros quanto à diversidade cultural e religiosa. E foi aqui que se realizou a maior parada gay do mundo, superando a pioneira São Francisco, na Califórnia. É fato: nos últimos anos, alguns tabus foram por água abaixo, como a concepção de que homossexuais não poderiam adotar. Desde 1984, quando retirada a homossexualidade do rol das doenças, esse argumento deixou de respaldar práticas abusivas, como tratamentos psiquiátricos. A melhor notícia parece ser a censura social: hoje em dia é politicamente incorreto defender qualquer causa que se mostre preconceituosa. Se a discriminação racial e a de gênero já são crimes, por que não a homofobia? Felizmente, o aumento do número de pessoas envolvidas nas manifestações e nas organizações em prol da obtenção de visibilidade e, portanto, dos benefícios já conquistados pelos heterossexuais faz pressupor um quadro de maior compreensão no futuro. Mesmo a reboque dos países mais avançados, onde a união civil homossexual é reconhecida legalmente, o Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito, o que significa fortalecer o Estado democrático de Direito, sem dúvida alguma, a maior prova de desenvolvimento social.
MARCO AURÉLIO MELLO é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
2 comentários:
Querido, gostei muito do texto do ministro então reproduzi no meu blog, dando o crédito ao seu. beijos.
Aprendi muito
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